REFLEXÃO SOBRE A GARANTIA DO SALÁRIO-MÍNIMO NACIONAL AO INTERMITENTE
Considere-se
a situação hipotética: o patrão “1” contrata o empregado “A” na modalidade
intermitente. O empregado “A” trabalha 02 dias por semana em jornada diária de
08 horas – totaliza 16 horas de trabalho por semana. Mensalmente, com as horas
do descanso semanal, são 80 horas (16hs : 06 dias úteis = 2,66 X 30 dias =
80hs). O salário-mínimo contemporâneo à hipótese é de R$ 1.212,00 por mês. 80
horas mensais equivale, então, a R$ 440,72 (R$ 1.212,00 : 220hs = R$ 5,50 X 80
horas = R$ 440,72) mensais. O contrato de trabalho intermitente é aquele cuja
prestação do trabalho não é contínua, mas, antes, intermitente – acontece alternância
entre trabalho e ausência de trabalho nos módulos horário, diário e mensal
(CLT, art. 443, §3°). A questão é: aplica-se ao intermitente a garantia do
salário-mínimo de que trata o inciso VII do art. 7° da CF? Bom, há razões para
a resposta positiva e também para a resposta negativa. Vejamos isso de forma
breve. Positivamente, a estrutura do direito do trabalho pressupõe a medida de
que: 01 contrato de trabalho é igual a, pelo menos, 01 salário-mínimo nacional (CF,
art. 7°, IV e VI; CLT, arts. 76 e 503). Objetar-se-á que a garantia do salário-mínimo
diz respeito ao salário-mínimo-horário, consoante os modelos dos arts. 58-A, 64
e 452-A, todos da CLT. A isso replicar-se-á que: embora a redução do parâmetro
mensal a um parâmetro absolutamente mínimo que é o horário (já que não há um salário
por segundo) espelhe certa igualdade, dita redução não atende à significação
existencial do inciso IV do art. 7° da CF: ao atrelar o salário-mínimo à
habitação, à alimentação, etc, busca-se garantir a existência mínima do
empregado no módulo mensal. Contrapor-se-á a isso que: o salário-mínimo
pressupõe 220 horas mensais (sistemática dos incisos XIII e XV do art. 7° da
CF; art. 1° e 7° da Lei n° 605/49: 44hs : 06 dias úteis = 7,33 hs X 30 dias =
220hs). Haveria violação à justiça distributiva acaso a ordem jurídica
atribuísse o mesmo quantum que mede
220 horas mensais a quem trabalha 44 horas semanais e a quem trabalha 16 horas
semanais (o caso do empregado “A”). Poder-se-ia rejeitar a tese acima invocando
a tese dignidade: a justiça distributiva, ao garantir um mínimo mensal com
medida de 220 horas, invocou uma medida de valor diferente do telos (do fim) de Aristóteles: a medida
da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III) condizente com a dimensão dos
direitos fundamentais da solidariedade – não seria digno receber R$ 440,72 por
mês quando o mínimo mensal é de R$ 1.212,00. Negar-se-ia o ponto acima dizendo
que: a participação do empregado no risco do negócio vem se tornando tendência
no direito do trabalho brasileiro, como se vê nos arts. 58-A, 452-A e 507-A da
CLT. E mais: que a substância (o que está por debaixo e que permanece constante)
do contrato intermitente lhe dando razão de ser é, justamente, a vinculação do
salário do empregado ao seu efetivo tempo de trabalho no empregador, sem a
garantia do salário mínimo. Negar-se-á isso invocando a literalidade do inciso
VII do art. 7° da CF: que garante o mínimo nacional “para os que percebem
remuneração variável” – o empregado no contexto intermitente perceberia
remuneração variável. De novo: rejeitar-se-ia esta colocação referindo que ela
pressupõe mero nominalismo – intenta-se a aplicação do mínimo nacional se
valendo da simples expressão: “para os que percebem remuneração variável”. Que,
em verdade, a lógica do dito inciso VII estaria na equivalência da disposição
do empregado a 44 horas semanais - a exemplo do empregado que somente recebe
comissão (um vendedor), mas permanece à disposição. Por fim, negar-se-ia o
ponto acima dizendo que ele fere o axioma do in dubio pro operário: não é possível interpretar a norma
trabalhista de forma prejudicial ao empregado; contra o valor social do
trabalho (CF, art. 1°, IV). E mais: que a previsão legal se dirige à
alternância entre trabalho e inatividade e não à “eterna” inatividade que
implicaria contrato com objeto nulo: que já que contratar atividade humana
nenhuma é nada. Ou seja: algum salário o contrato intermitente pressupõe.
Moisés
José Marques
Advogado
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